Cientistas de todo o mundo se dedicam a comprovar a capacidade do cânhamo de limpar solos contaminados. Separamos alguns casos para mostrar a vocês mais esta faceta da planta, a relação do cânhamo e o solo.
Como cânhamo pode ajudar o solo de Chernobyl
O maior acidente nuclear da história aconteceu em 1986, na usina de Chernobyl, em Pripiat, no norte da Ucrânia. Muitas mortes foram instantâneas e centenas de outras ocorreram nos anos seguintes, decorrentes da radiação e contaminação deixadas pela explosão.
Anos depois, grandes áreas no entorno da cidade abandonada foram cobertas de pés de cânhamo, com o objetivo de descontaminar o solo. Pois é, além dos inúmeros usos industriais que sempre citamos por aqui, o cânhamo ainda é eficaz para a fitorremediação (fito = planta e remediação = corrigir), método que utiliza plantas e comunidades microbianas para degradar, extrair, conter ou imobilizar contaminantes do solo e da água.
A iniciativa de utilizar o cânhamo para retirar elementos tóxicos do solo da chamada zona de exclusão – região no entorno de Chernobyl onde o acesso é restrito e não se pode cultivar – foi da empresa americana de biotecnologia Phytotech, em parceria com a Academia Ucraniana de Ciências Agrárias. Após o plantio, realizado em 1999, eles informaram ter obtido fibra de cânhamo limpa, apesar de a planta permanecer rica em césio – elemento químico radioativo.
Neste experimento, os restos contaminados do cânhamo foram queimados em um incinerador lacrado, nos quais ficaram as cinzas com elementos radioativos. O resultado apontou a capacidade da planta de extrair cerca de 1% do césio do solo. Pode parecer pouco, mas os pesquisadores consideraram a conclusão positiva, já que a técnica poderia ser associada a outras, ajudando na recuperação da área.
Cânhamo e limpeza do solo na Espanha
Com base na experiência de Chernobyl, a Associação Flecha Verde, que reúne moradores de Palomares, na província de Almería, na Espanha, apresentou um projeto para uso do cânhamo, com o objetivo de limpeza do solo da região. As terras de Palomares foram atingidas por quatro bombas nucleares, em 1966, quando dois aviões da força aérea dos Estados Unidos colidiram no ar durante uma manobra de abastecimento. Até hoje, uma superfície de 40 hectares de terra está contaminada com plutônio procedente das bombas.
Desde o início de 2020, a Associação tem angariado apoios em universidades e entre os políticos da região para colocar a ideia em prática, mas o plantio ainda não foi efetivamente realizado.
Um caminho para recuperar terras na Itália
No sul da Itália, agricultores da cidade de Taranto, na região de Puglia, têm uma história parecida para contar. Cerca de 100 fazendeiros são responsáveis pelo plantio de 300 hectares de cânhamo, que abastecem toda uma indústria baseada na planta, já consolidada por lá. Adicionalmente, ajudam a retirar do solo metais pesados, resquícios da maior fábrica de aço da Europa.
A presença de níquel e chumbo fez com que atividades tradicionais da área, como a criação de gado, fossem suspensas. Os moradores se uniram e encontraram no cânhamo o caminho para recuperar suas terras.
Cânhamo e a potencialidade de fitorremediação
O estado norte-americano da Pensilvânia foi o local escolhido por cientistas para comprovar, de uma vez por todas, as propriedades do cânhamo para fitorremediação. Eles investigaram a capacidade da Cannabis sativa L. – nome científico do cânhamo – de crescer de forma sustentável e limpar solos de minas de carvão abandonadas na Pensilvânia.
Foram plantadas seis variedades diferentes de cânhamo, em diferentes tipos de solo, contaminados ou não. Os pesquisadores analisaram a presença de metais pesados nas plantas e no solo. A conclusão deles revelou que o solo tinha níveis significativamente mais altos de substâncias tóxicas antes do plantio. Este estudo fez ainda outra descoberta positiva: o canabidiol (CBD) – um dos principais elementos da cannabis utilizado para fins medicinais – produzido a partir do cânhamo plantado em solo contaminado, não apresentou sinais de contaminação.
Isso significa, a princípio, que seria possível descontaminar o solo e produzir CBD seguro ao mesmo tempo.
Em 2002, outra análise foi conduzida por pesquisadores da Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Eles destacaram a capacidade do cânhamo para crescer em solo contaminado, sem que suas fibras ou o hurd – interior do caule e das hastes da planta – sejam prejudicados. O mesmo estudo apontou a capacidade do cânhamo de extrair metais pesados, óleo e diesel do solo.
Conheça estudos que destacam o poder de fitorremediação do cânhamo:
- Industrial hemp (Cannabis sativa L.) growing on heavy metal contaminated soil: fibre quality and phytoremediation potential
- Recent Findings on the Phytoremediation of Soils Contaminated with Environmentally Toxic Heavy Metals and Metalloids Such as Zinc, Cadmium, Lead, and Arsenic
- Remediation of Benzo[a]pyrene and Chrysene-Contaminated Soil with Industrial Hemp (Cannabis sativa)
O maior obstáculo do cânhamo no Brasil
O cânhamo é eficiente para a fitorremediação e o plantio ainda resulta em matéria-prima para uma indústria rica e variada. Além disso, a planta requer menos cuidados para o cultivo em comparação, por exemplo, aos girassóis, espécie cuja capacidade de descontaminação do solo também é reconhecida.
Então, com tantas comprovações científicas e casos de sucesso, por que ainda não estamos usando o cânhamo em todo o mundo para descontaminar solos?
Bom, a resposta é a mesma de tantas perguntas relacionadas à cannabis: desinformação e preconceito. Tudo isso joga contra o cânhamo e priva a sociedade dos benefícios da planta.
Aqui no Brasil, a liberação do plantio do cânhamo para fins industriais foi incluída no Projeto de Lei 399/2015, aprovado recentemente em uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados. Porém, o texto ainda deve passar por votação no Senado e sanção presidencial, o que representa um longo e moroso caminho – dado o histórico do país em relação ao tema.
Por enquanto, nossos solos seguirão sem esta alternativa sustentável para descontaminação.
Quer saber mais?
Entendemos que esse assunto é complexo e não pretendemos esgotá-lo em um post. Para saber mais, acesse o nosso artigo: Liberação do cultivo do cânhamo provocará revolução agrícola no Brasil.