Em dezembro de 2020, a Comissão de Drogas Narcóticas (CDN) da Organização das Nações Unidas (ONU) reclassificou a cannabis, retirando a planta e a resina extraída dela do anexo IV da Convenção sobre Drogas de 1961, reservado aos entorpecentes mais perigosos. Com esta alteração, a ONU passou, finalmente, a reconhecer a existência e importância das propriedades medicinais da cannabis.
A cannabis figurava no Anexo IV, ao lado de drogas como cocaína, heroína e outras classificadas pela ONU como de alto potencial de abuso e tão danosas que até mesmo a capacidade terapêutica deve ser deixada de lado, pois não vale o risco de tê-las circulando. Agora, ela integra apenas o Anexo I, composto por substâncias que devem ser controladas, mas com potencial terapêutico admitido.
Em resumo, a cannabis deixou de estar, aos olhos da ONU, igualada à heroína e cocaína, passando para o grupo onde estão substâncias como a morfina, um opioide amplamente utilizado em medicamentos. Certamente este não é, ainda, o lugar ideal da cannabis, visto que a própria morfina é muito mais perigosa do que os derivados da planta, mas o avanço é comemorado por especialistas.
Convenção sobre Drogas de 1961
A Convenção sobre Drogas de 1961 foi o primeiro posicionamento da ONU em relação ao controle de substâncias no mundo. O texto listou aquelas que, à época, eram entendidas como perigosas e recomendou aos governos que atuassem restringindo tanto a produção, quanto a movimentação. Desde então, a cannabis estava relegada à ilegalidade em todo o mundo. O cenário começou a mudar na última década, com a legalização em países como Uruguai, Canadá e em diversos estados norte-americanos, bem como pela permissão do uso medicinal em dezenas de outras localidades.
ONU e a Cannabis: A decisão histórica
A alteração veio após uma recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), revelada pela primeira vez em janeiro de 2019, porém votada apenas no último mês de 2020. Eram, no total, seis orientações:
- 5.1 – Excluir “maconha e resina de cannabis” do Anexo IV da Convenção Única inteiramente;
- 5.2 e 5.3 – Transferência do THC do tratado de 1971 para o Anexo I do tratado de 1961, a fim de simplificar os relatórios esperados dos Estados-membros e otimizar o controle internacional.
- 5.4 – Excluir “extratos e tinturas de cannabis” do Anexo I da Convenção Única inteiramente
- 5.5 – Modificar a referência à cannabis no Anexo I da Convenção Única para observar que “as preparações que contêm predominantemente CBD e não mais que 0,2% do delta-9-THC não estão sob controle internacional”;
- 5.6 – Incluir certas preparações farmacêuticas com THC e um baixo risco de abuso e dependência no Anexo III do tratado de 1961, com um nível de controle menor do que o Anexo I.
Apenas a primeira da lista foi aprovada, com 27 votos a favor, 25 contrários e uma abstenção. Participaram desta votação os 53 países membros da CND, mas a decisão se aplica a todos os signatários das convenções internacionais de controle de drogas. O Brasil, se posicionou contrário à medida, ao lado de nações como China, Rússia e Japão. Todas as demais orientações foram rejeitadas.
O que mudou após a ONU reconhecer os valores medicinais da cannabis?
Na prática, a ONU é responsável apenas por recomendações. As legislações seguem a cargo de cada país. Contudo, a mudança é um reconhecimento, após décadas de estudos científicos em torno do uso medicinal da cannabis, e deve ser um impulsionador para, cada vez mais, nações deixarem de criminalizar sua aplicação terapêutica. Deve, também, ser um elemento importante para o desenvolvimento de ainda mais pesquisas.
Aqui no Brasil, a alteração pode ser um forte argumento a favor do Projeto de Lei 399/2015, aprovado recentemente em uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados. O texto legaliza os usos medicinal e industrial da cannabis no País.
A requalificação da ONU é um grande avanço
Para Robert Hoban, fundador e presidente do Hoban Law Group (HLG), consultoria jurídica norte-americana especializada em negócios de cannabis, a requalificação não traz ainda a segurança jurídica ideal para este mercado, mas é um grande avanço, fruto de décadas de trabalho de milhares de pessoas em todo o mundo.
Em artigo assinado, publicado na edição norte-americana da Revista Forbes, em 3 de dezembro de 2020, Hoban ressaltou que o mercado de cannabis será uma força motriz da economia pós-Covid-19 e a reclassificação é um fator relevante no desenho deste panorama. Para ele, a decisão pode nos fazer avançar globalmente no viés econômico, na segurança dos pacientes e na reforma dos sistemas de justiça, altamente impactados em muitos países pela criminalização da cannabis ao longo das últimas décadas.
ONU e a cannabis: quais são os próximos passos?
Hoje, cerca de seis meses depois da alteração do texto da Convenção sobre Drogas de 1961, é possível dizer que o mercado de cannabis segue em expansão acelerada e, cada dia mais, países buscam rever suas legislações em relação ao tema. Certamente, a mudança de entendimento da ONU tem efeito no cenário mais favorável, assim como teve no sentido inverso, lá atrás, quando a cannabis foi considerada perigosa.
O efeito cascata acontece a olhos vistos e, inevitavelmente, chegará ao Brasil em breve! Estamos contribuindo para isso aqui na The Green Hub, Para saber mais, acesse o nosso artigo: Cannabis Medicinal: É preciso mais informação