Esta semana o CFM atualizou a resolução Nº 2.324/2022 restringindo o uso da Cannabis e gerando protestos de diversos especialistas no assunto sob o argumento de que não há evidências científicas suficientes.
Em uma tentativa de participar desta discussão, traremos aqui no blog parte do conteúdo produzido pela Folha de SP em parceria com a The Green Hub exatamente sobre o que a ciência tem trazido sobre o futuro da Cannabis medicinal.
Após ler este texto pedimos para que você, estimade leitor, dê sua opinião na consulta pública no site do CFM. Até o fechamento deste texto, infelizmente, a plataforma para esta consulta não estava disponível.
Os centros de excelência de medicina do mundo já reconhecem a Cannabis medicinal como uma área emergente na área da saúde. Na última década, as pesquisas revelaram o caráter revolucionário dos canabinoides, nome dado a substâncias encontradas na planta e que também são produzidas pelo organismo. “A Cannabis está para a medicina do século 21 como os antibióticos estiveram para a medicina no século 20”, enfatiza o neurocientista Sidarta Ribeiro, professor do Instituto do Cérebro, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e coautor do livro “Maconha, Cérebro e Saúde”.
A razão de todo esse entusiasmo é o sistema endocanabinoide, ainda pouco conhecido do público em geral, mas de extrema importância para o funcionamento do organismo por garantir a homeostase das células, ou seja, o equilíbrio interno delas. Em geral, as pessoas estão mais familiarizadas com outros sistemas da fisiologia humana, como o cardíaco e o respiratório, que são formados por conjuntos de órgãos visíveis a olho nu e localizados em regiões determinadas do corpo. Mas o endocanabinoide é um sistema intracelular, espalhado pelo organismo. Ele foi descoberto em 1964 pelo pesquisador búlgaro, radicado em Israel, Raphael Mechoulam– que mais tarde ficou conhecido como pai da Cannabis. Mas as pesquisas que confirmaram as evidências do cientista demoraram décadas para acontecer justamente por falta de matéria-prima – a planta ainda é considerada substância ilícita na maior parte dos países.
Os estudos avançaram mesmo nos últimos dez anos com a mudança gradativa na legislação dos Estados Unidos – dos 50 estados americanos, 38 legalizaram o uso medicinal da Cannabis – e a consequente abertura global para o estudo científico. Comprovou-se que o sistema produz substâncias que possuem a estrutura semelhante às encontradas na planta (os chamados canabinoides) e, por isso, foi batizado de endocanabinoide (endo vem do grego e quer dizer dentro). Essas substâncias desempenham papel importante na modulação dos neurotransmissores e, consequentemente, na comunicação intracelular. Claudio Queiroz, professor do Instituto do Cérebro da UFRN, explica que o sistema é formado por receptores (CB, canabinoides), localizados nas membranas das células do corpo, principalmente na cabeça.
“Eles são ativados por ligantes endógenos (produzidos pelo próprio corpo), como a anandamida e o 2AG (araquidonilglicerol). E também por ligantes externos, como os canabinoides da planta. Quando os receptores são acionados, produzem respostas no sistema nervoso central e periférico”, diz. Queiroz compara o sistema endocanabinoide a um sensor, que regula a excitação das moléculas para mais ou para menos, de acordo com o ponto de equilíbrio. O professor explica que tanto os ligantes endógenos como os externos, quando conectados aos receptores, bloqueiam ações que estejam desequilibrando as células. “Por exemplo, a epilepsia é um surto, um excesso de atividade cerebral, bloqueado pelo estímulo do sistema endocanabinoide”, explica Queiroz, que pesquisa o efeito terapêuticos dos canabinoides em camundongos epiléticos em parceria com Sidarta Ribeiro. Isso explica a eficiência das terapias à base dos canabinoides produzidos a partir da planta. Uma vez no organismo, essas substâncias regulam o que está em desequilíbrio, seja pela falta ou pelo excesso.
As pesquisas científicas agora tentam desvendar quais doenças a Cannabis é eficaz. Na base do PubMed, plataforma que reúne estudos científicos, há mais de 28 mil pesquisas sobre o tema. Nos Estados Unidos, o National Cancer Institute (NCI), que já indica o uso da Cannabis no tratamento da dor, da náusea, da perda de apetite e da ansiedade, agora realiza estudos para comprovar se os canabinoides são capazes de inibir o crescimento de tumores, ao mesmo tempo que protegem as células normais. No Brasil, há pouco mais de um ano, o Hospital Sírio-Libanês abriu o Núcleo de Cannabis Medicinal para o atendimento de pacientes e estudos na área.
Semana que vem iremos escrever mais sobre esse assunto. Se você não teve a oportunidade de conferir o caderno sobre Cannabis na Folha de SP, fique ligado aqui no Blog da TGH.