Provavelmente você já ouviu falar de canabidiol, ou simplesmente CBD, um dos compostos da cannabis que tem chamado a atenção por suas propriedades medicinais. Medicamentos com o elemento na sua composição têm se mostrado eficientes para tratar doenças como epilepsia, fibromialgia, mal de Alzheimer e até câncer.
No entanto, como cannabis é um assunto polêmico e carregado de preconceitos, muita gente fica em dúvida sobre o que é CBD e quais são suas aplicações. Nesse texto vamos tentar responder os principais questionamentos sobre o tema.
Canabidiol é uma das cerca de 400 substâncias presentes na composição da cannabis. Ele é do grupo dos canabinoides, elementos produzidos pelos organismos tanto de mamíferos (como nós, humanos), quanto de vegetais.
Nos mamíferos, eles são chamados de endocanabinoides ou canabinoides endógenos e ajudam a equilibrar as funções do corpo. Já nas plantas, o nome correto é fitocanabinoide ou canabinoide exógeno, que, para elas, funciona como uma espécie de proteção.
Como o CBD atua no corpo humano?
Ao entrar no organismo humano, o CBD interage com receptores canabinoides existentes nas membranas celulares de vários dos nossos órgãos, incluindo o cérebro. Quando isso acontece, os receptores podem ser estimulados, como ocorre com o tetrahidrocanabinol (THC) – composto psicoativo da cannabis -, que os ativa, ou podem ser bloqueados. Isso significa que o canabinoide se liga a esses receptores e ocupa o espaço sem ativá-los, impedindo a estimulação por outras substâncias.
Pesquisas indicam que o CBD é capaz de cumprir os dois papéis, dependendo do receptor em questão. Um bom exemplo de quando ele atua como estimulante, é a ligação do CBD ao 5-HT1A — um receptor do hormônio serotonina —, com influência no humor e fortemente relacionado à depressão.
Nesse caso o CBD estimula o receptor, que passa a receber mais serotonina, diminuindo sensações causadas pelo falta desse hormônio, como a tristeza. Essa conexão pode ter relação com os efeitos antidepressivos, ansiolíticos e neuroprotetores do CBD.
Como o CBD interage com o sistema endocanabinoide?
Recentemente, cientistas chegaram à conclusão de que o corpo humano tem um sistema endocanabinoide, composto basicamente por dois tipos de receptores: CB1 – presente em todo o corpo, com destaque para o hipotálamo (no cérebro) e a amigdala, e com poder de influência sobre a regulação do apetite e o processamento emocional; e CB2 – encontrado nos sistemas nervoso e imunológico, com incidência sobre dor e questões motoras, dentre outras funções do corpo.
É como se o sistema endocanabinoide fosse responsável pela comunicação entre o cérebro e o restante do corpo. Por estar ligado a tantas funções importantes do organismo, pode ser considerado um dos grandes responsáveis pelo nosso processo de homeostase (equilíbrio interno).
A substância tem propriedades capazes de atuar de formas diversas no organismo. As principais delas são:
- Anticonvulsivantes: previne crises convulsivas e epiléticas
- Anti-inflamatórias: combate inflamações diversas
- Ansiolíticas: trata certos transtornos de ansiedade
- Antitumorais: trata dor, náusea e outros sintomas de pacientes com câncer
- Antipsicóticas: tem efeito sedativo e atua na prevenção e tratamento a psicoses
- Neuroprotetoras: oferece proteção a células cerebrais e da medula.
São essas propriedades que tornam o CBD eficiente no tratamento de doenças. Algumas das enfermidades que já foram estudadas e podem, comprovadamente, ser tratadas com CBD.
Que doenças podem ser tratadas com CBD?
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Epilepsia
O estudo Effect of Cannabidiol on Drop Seizures in the Lennox-Gastaut Syndrome, publicado em 2018, no The New England Journal of Medicine, é um dos muitos a sugerir a eficácia do CBD como tratamento para a epilepsia.
No total, foram acompanhados 226 pacientes com a Síndrome de Lennox-Gastaut (SLG), reconhecida como síndrome epilética pediátrica grave. Os resultados indicaram que incluir o CBD junto com tratamento farmacológico convencional reduz significativamente a frequência das convulsões nos enfermos.
Em 2020, um estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), da USP, feito em modelos animais para epilepsia (ratos geneticamente selecionados para apresentarem os sintomas), mostrou que a administração do CBD evita a progressão da doença.
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Esquizofrenia e transtornos psicóticos
Estudos que avaliam o impacto do CBD no tratamento da esquizofrenia também são abundantes. Um exemplo é o artigo The Role of Cannabis within an Emerging Perspective on Schizophrenia, publicado em 2018, no qual pesquisadores da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, revisaram estudos recentes sobre o assunto. Consequentemente, eles concluíram que o consumo de fitocanabinoides pode ser uma opção segura e efetiva de tratamento para esquizofrenia, como terapia principal ou auxiliar.
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Câncer
O CBD alivia sintomas como dores e náuseas, comuns em pacientes com câncer, inclusive como efeito colateral dos tratamentos. No entanto, há estudos que vão além, como mostrou o artigo Cannabidiol as Potential Anticancer Drug, uma revisão que analisa evidências científicas que apontam a existência de um potencial anticancerígeno no CBD, capaz de inibir o crescimento e propagação dos tumores.
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Autismo
Em 2019, pesquisadores israelenses publicaram, na revista Scientific Reports, os resultados de seis meses de acompanhamento clínico com pacientes com transtornos do espectro autista que receberam doses de óleos de CBD.
No artigo Real Life Experience of Medical Cannabis Treatment in Autism: Analysis of Safety and Efficacy, os cientistas relatam que 30,1% dos pacientes afirmaram ter notado melhora significativa, e 53,7% observaram melhora moderada.
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Alzheimer
A revisão In Vivo Evidence for Therapeutic Properties of Cannabidiol (CBD) for Alzheimer’s Disease, publicada por cientistas australianos, concluiu que o CBD traz benefícios a pacientes com a Doença de Alzheimer.
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Doenças de pele
Um estudo de 2019 sugere melhora significativa dos parâmetros da pele a partir do tratamento com CBD, especialmente em pacientes com distúrbios de fundo inflamatório, como a acne.
A lista de doenças tratáveis com CBD é grande e inclui ainda diabetes, depressão, transtornos de ansiedade, fibromialgia, Doença de Parkinson, Colite Ulcerativa, estresse, ataques de pânico e muitas outras enfermidades. O ideal é procurar um médico especializado e que entenda de tratamento com cannabis medicinal, para que ele possa prescrever o medicamento de forma adequada.
O CBD tem efeitos colaterais?
Para algumas pessoas o CBD pode apresentar efeitos colaterais, mesmo a ocorrência sendo incomum. Porém, os casos costumam ser leves.
Algumas das possíveis reações adversas são:
- Queda de pressão;
- Sensação de tontura;
- Sonolência (o CBD é considerado uma substância que, no geral, induz vigília, contudo, em doses elevadas, esse princípio ativo pode causar o efeito contrário, deixando o paciente sonolento, por isso não é recomendável dirigir ou operar máquinas após o uso de doses altas);
- Boca seca.
O CBD tem contraindicações?
Assim como os efeitos colaterais, as contraindicações do CBD são poucas:
- Gravidez (como não há estudos clínicos conclusivos, recomenda-se que gestantes não utilizem CBD);
- Alergia ao CBD;
- Pessoas que fazem uso de medicamentos hepáticos (a interação pode anular os efeitos destes fármacos).
Como se faz uso do CBD?
O uso medicinal do CBD é novo (apesar de ter origens muito antigas). Desta maneira, ainda não há consenso médico sobre o melhor método para administração. As formas mais comuns são o uso em óleo, colocado embaixo da língua, ou comprimido.
Também há pesquisas que apontam a eficiência de se usar o CBD fumando, em um cigarro feito com misturas de componentes da cannabis dosados em laboratório, evitando o THC. Esse é o método com efeito mais rápido, pois a substância vai direto para a corrente sanguínea por meio dos pulmões. O problema, nesse caso, é o impacto da queima de materiais e a inalação da fumaça na saúde pulmonar.
Existem ainda estudos que defendem o uso de vaporizadores, agindo no óleo de CBD sem queimá-lo. Nesse caso, a inalação do vapor teria ação rápida, sem prejudicar o pulmão.
Como posso ter acesso ao CBD?
No Brasil, a produção do CBD ainda tem muitos entraves, mas é possível conseguir o medicamento. Médicos podem prescrever fármacos à base de cannabis, conforme regras estabelecidas pelas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDCs) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 327/2019 e 335/2020. Há muitos profissionais atuando com essa prática no dia a dia.
Com a prescrição médica, o paciente precisava, inicialmente, solicitar autorização para importação do medicamento, vindo do exterior com custo altíssimo. Com o passar dos anos, a Justiça concedeu autorizações para associações de pacientes, que plantam a cannabis e produzem o óleo de CBD, como a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE), sediada em João Pessoa (PB).
Mais recentemente, dois medicamentos industrializados foram autorizados pela Anvisa e estão disponíveis nas farmácias brasileiras. Um deles é o Canabidiol 200mg/ml, da Prati-Donaduzzi, e o outro é o Mevatyl, produzido pela britânica GW Pharma e importado.
Sabemos que esse assunto é complexo e não pretendemos esgotá-lo em um post. Para conhecer mais sobre a cannabis medicinal, acesse nosso post: Cannabis Medicinal: É preciso mais informação.